Nesses últimos dias tivemos 2 emissões de CRAs bem interessantes (uma delas comentada na minha postagem anterior). Como esse tipo de ativo não é muito conhecido, segue algumas informações para os que tiverem interesse. O texto é um tanto técnico, mas vale a leitura.
1. Definições Gerais:
Os Certificados de Recebíveis do Agronegócio estão vinculados a direitos creditórios originários de negócios realizados, em sua maioria, por produtores rurais ou suas cooperativas, relacionados ao financiamento da atividade agropecuária.
Os CRAs só podem ser emitidos por companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio, que não fazem o papel de devedoras na operação. Estas têm por finalidade adquirir e securitizar os direitos creditórios, sendo responsáveis pela emissão e colocação dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio no mercado financeiro e de capitais.
Nas operações estruturadas deste tipo, os CRAs costumam estar lastreados em outros tipos de certificado, sendo os dois mais comuns a Cédula de Produto Rural (CPR) e o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).
A CPR é emitida por Pessoa Física e o CDCA por Pessoa Jurídica. Ambos normalmente contam com algumas garantias que visam proteger o credor em caso de inadimplência por parte do devedor. Quando o investidor opta por adquirir o CRA, e este se encontra lastreado em um dos certificados, o comprador torna-se o novo credor e herda os direitos atrelados à CPR, ao CDCA ou a outros tipos de certificado que tenham características similares.
O CRA ainda pode contar com garantias adicionais àquelas referentes ao seu lastro, como conta vinculada, regime fiduciário e fundo de reserva.
É Importante ressaltar que o lastro do CRA tem que ter no mínimo o tamanho e o prazo da emissão ao qual está atrelado, para que, já na estruturação, os investidores não fiquem descobertos.
O ativo deverá ser registrado em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central do Brasil. As principais vantagens do registro oficial são: (i) a possibilidade de se controlar o volume de títulos emitidos e; (ii) facilitar a negociação eletrônica. As corretoras que contam com o Selo Cetip | Certifica, possuem a garantia para o investidor do registro individualizado, por CPF ou CNPJ, em cada operação realizada.
1.1 Estrutura Básica
1. A Transação relacionada ao agronegócio, entre credor e devedor, origina direito creditório; 2. A Companhia Securitizadora compra o crédito do credor e a operação é estruturada; 3. O Distribuidor/Coordenador subscreve o CRA; 4. Os Investidores compram o CRA.
1.2 Principais tipos de estrutura
• Pulverizado: o risco está atrelado a uma carteira de crédito de diversos devedores (Ex.: agricultores). • Corporativo: o risco está atrelado a uma empresa que é a devedora na estrutura da operação. Normalmente utiliza a emissão para financiar sua produção, operação comercial ou mesmo para a compra ou manutenção de maquinários.
1.3 Formas usuais de remuneração
A remuneração dos CRAs pode ser: • % do CDI, preferível em tendência de aumento de juros; • CDI+spread, preferível em tendência de queda de juros; • Índices de preços (ex: IGP-M, IPCA), preferível a investidores de longo prazo, que buscam preservação de patrimônio; • Taxa prefixada; preferível após ciclo de alta de juros. Neste tipo de título, o investidor sabe a rentabilidade na hora da aplicação, sendo determinado o quanto receberá no vencimento.
1.4 Classes
É permitida a emissão de CRA de classes sênior ou subordinada. A classe sênior possui prioridade para efeitos de amortização e resgate perante aqueles de classes subordinadas.
Dentre as classes subordinadas ainda há a possibilidade de existirem outras subdivisões, como as classes subordinadas mezanino ou preferenciais, por exemplo, que conferem prioridade quanto ao pagamento de juros e amortização sob as cotas subordinadas júniores ou ordinárias.
1.5 tipos de garantia
Os Certificados de Recebíveis Imobiliários podem contar com garantia flutuante, que assegurará ao investidor o privilégio geral sobre o ativo do emissor, mas não impede que os bens que compõem esse ativo sejam negociados.
Adicionalmente, os CRA podem contar com outras garantias, tais como:
• Alienação Fiduciária do Imóvel: a posse dos imóveis aos quais os créditos imobiliários estão atrelados é repassada aos investidores do CRA.
• Hipoteca: diferentemente do que ocorre na alienação, não há transferência da posse dos imóveis, que continua com o devedor, podendo gerar receita utilizando-se de tal imóvel para que possa pagar sua dívida.
• Subordinação: através da estrutura de subordinação, perdas advindas, por exemplo, de eventos de pré-pagamento, inadimplência, relacionados à carteira de crédito-lastro da operação, podem ser absorvidos pelas cotas subordinadas antes que afete as cotas sêniores.
• Fundo de Reserva: algumas estruturas contam com fundos de reserva que podem ter, como um dos objetivos, mitigar risco de liquidez, ao formar um fundo com caixa para pagamentos de juros e principal futuros.
• Regime Fiduciário: instituto que permite que os créditos do agronegócio de uma operação de CRA sejam destinados somente ao pagamento dos CRAs que estão vinculados, e às despesas e obrigações fiscais relacionadas à operação. É obrigatória a constituição de patrimônio separado, que não se confunde com o patrimônio da emissora, o que significa que, caso a securitizadora venha a falir, por exemplo, os créditos referentes ao lastro do CRA não farão parte da massa falida.
• Cessão Fiduciária de Direitos de Crédito: o devedor cede ao credor a titularidade dos recebíveis imobiliários até a liquidação da dívida. Algumas estruturas ainda contam com sobrecolateralização, em que o valor dos recebíveis, lastro da operação, representam um percentual superior a 100% do valor total da emissão.
• Penhor Agrícola da Produção (safra): em geral, parte da produção é dada em garantia equivalente a um percentual do saldo devedor.
• Depósito em dinheiro
• Fiança: condição em que uma pessoa se responsabiliza, perante o credor, pelo cumprimento de uma obrigação assumida pelo devedor. Aqui, a responsabilidade é subsidiária, o fiador somente é acionado caso o devedor não cumpra o contrato.
• Aval: condição na qual uma pessoa se torna responsável pelo pagamento de um título de crédito nas mesmas condições do devedor deste título. O avalista garantirá a solvência do título independentemente do titular. Aqui a responsabilidade é solidária, tanto o avalista como o credor assumem, concomitantemente, responsabilidade pela dívida.
2. Principais tipos de oferta Pública
• CVM 400: ofertas de valores mobiliários, com prospecto e registro obrigatório na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). • CVM 476: oferta pública, mas com esforços restritos, destinada a investidores qualificados. Será permitida a procura de, no máximo, 50 investidores qualificados, e os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 investidores qualificados. Provavelmente não terá prospecto. Dispensa registro na CVM.
2.1 Procedimento de definição de taxa (oferta pública)
• Bookbuilding (leilão holandês): 1. O Emissor e o coordenador definem uma taxa máxima (“taxa teto”). Pode ser definida também uma taxa mínima (“taxa piso”); 2. O Investidor envia ordem com suas condições de taxa e quantidade para participação na oferta; 3. As ordens são preenchidas até o limite da emissão, sempre da menor para a maior taxa; 4. A taxa da última ordem atendida será a taxa de todos os investidores que entrarão na oferta (“taxa de corte”).
O investidor sofrerá rateio se a demanda for maior que a oferta na taxa de corte.
3. tributação
• Imposto de Renda:
Rendimentos produzidos por aplicações financeiras em CRA, realizadas por Pessoa Física, são isentos de Imposto de Renda.
Rendimentos produzidos por aplicações financeiras em CRA, realizadas por Pessoa Jurídica, são tributados às seguintes alíquotas (tabela regressiva):
22,5% até 180 dias;
20% entre 181 e 360 dias;
17,5% entre 361 e 720 dias;
15% após 720 dias.
Ganhos de capital produzidos por aplicações financeiras, sejam estas realizadas por Pessoa Física ou Pessoa Jurídica, também são tributados de acordo com a tabela regressiva acima.
• Imposto sobre Operações Financeiras:
Não incide
4. Principais Fatores de risco
• Risco de Crédito: relacionado à saúde do(s) devedor(es) dos CRAs. Está atrelado à possibilidade de default por parte do(s) devedor(es) do crédito do agronegócio com lastro no CRA.
O CRA NÃO CONTA com a garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
• Risco de Mercado: é a possibilidade de ocorrência de perdas resultantes da flutuação nos índices de preço, câmbio, preço das commodities e taxas de juros. Está atrelado a variações no cenário macroeconômico, mais especificamente a mudanças conjunturais, na política monetária e fiscal.
• Risco de Liquidez: caso o investidor necessite vender no mercado secundário, poderá não encontrar um comprador. Em havendo uma contraparte, a venda poderá ser feita a uma taxa acima da taxa do cliente. O mercado secundário de CRA possui baixa liquidez.
› Diferença entre Preço de Compra e Preço de Venda (bid/offer): normalmente, há uma diferença entre o preço que o comprador está disposto a pagar pelo ativo e o preço que o vendedor está disposto a vender o ativo. Esta diferença deve se ajustar entre os dois preços para que o negócio seja fechado, levando a uma perda relativa ao valor inicial esperado de compra/venda por ambas as partes.
› Preço Unitário (PU): quanto menor for o PU do CRA, maior tende a ser a pulverização do ativo no mercado, o que mitiga o risco de liquidez.
› Tamanho da Emissão: quanto maior for o tamanho da emissão, maior tende a ser a pulverização do ativo no mercado, o que mitiga o risco de liquidez.
› Oferta Pública (ICVM 400): não há restrição quanto ao número de clientes que podem adquirir ou subscrever a debênture. Investidor não precisa necessariamente ser qualificado para investir no ativo, a não ser que seja uma exigência da emissão.
› Pública com Esforços Restritos (ICVM 476): risco de liquidez tende a ser maior, já que, de acordo com a legislação, é permitida a procura de, no máximo, 50 investidores que necessitam ser qualificados* e os ativos deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 investidores qualificados.
*exceto se seguir o art. 15 da ICVM476
• Risco de Prazo: quanto menor a duration (prazo médio ponderado) do ativo, menor tende a ser a volatilidade atrelada ao CRA.
• Possibilidade de Resgate Antecipado: a emissora pode optar por resgatar o CRA antes do vencimento, acarretando em: (i) uma possível perda de rentabilidade se o investidor tiver entrado no mercado secundário abaixo da taxa na qual o papel terá vencido ou; (ii) impossibilidade de aplicar novamente o dinheiro à mesma taxa com risco similar. Tal possibilidade deve constar no prospecto ou no termo de securitização do ativo.
• Cláusulas de Vencimento Antecipado: caso ocorra o vencimento antecipado do CRA, pode ocorrer uma perda de rentabilidade se investidor tiver entrado no mercado secundário abaixo da taxa na qual o papel terá vencido, ou mesmo a impossibilidade de aplicar novamente o dinheiro à mesma taxa com risco similar.
• Risco Relacionado ao Setor de Atuação da Cedente dos Créditos: o setor agrícola está sujeito a especificidades como sazonalidade, condições meteorológicas adversas, pragas e alteração nos subsídios para commodities.
5. Pontos relevantes
• Isento de IOF
• Isento de IR para Pessoa Física sobre o rendimento
• Mercado cada vez mais regulamentado. CRA começam a ter rating de agências grandes (Fitch, S&P e Moody’s)
• Baixa liquidez no mercado secundário
• Investimento de médio e longo prazos, dependendo da estrutura
Comprei forte em novembro do ano passado.
ResponderExcluirVencimento para MAIO/2020
ECO SECURITIZADORA DE DIREITOS CRED DO AGRO S/A
IPCA + 9% aa
Até agora só alegrias! O IPCA ajudou :P
Também tenho esse!
ExcluirRentabilidade animal!
Caro Dividendos...
ResponderExcluirPrimeiramente parabéns pelo post... Muito bom mesmo. Não sou um conhecedor desse mercado
A minha pergunta é a seguinte:
A comercialização de CRA's não te lembra um pouco a venda das subprimes norte americanas?
A securitização era feita pela AIG, que era a maior e mais prestigiada seguradora do mundo. Que revendia os fundos empacotados para o varejo.
A diferença é que em sua maioria eram títulos atrelados a hipoteca, enquanto esses é atrelado ao agronegócio. E também porque a alavancagem era alta com devedores sem análise de crédito.
Acredito também que no Brasil por incrível que pareça esse setor é mais bem regulamentado do que no EUA.
Mas me parece que existe muita semelhança nesse mercado. Entendo que os tipos de garantia que vc expôs no texto não são repassados para o investidor final, e sim para seguradora... O investidor apenas comprou uma carteira de crédito da seguradora...Nos EUA esses títulos eram podres, pois eram de devedores que não poderiam honrar com seus compromissos. E se houver uma estiagem histórica no país? e se faltar água para a agricultura?
Acredito que seja fácil a seguradora decretar falência e o investidor ficar com um título que não tem valor.
Isso se alguma maneira te deixa preocupado?
Grande Abraço
Pobre Catarrento
Não, não me deixa preocupado.
ExcluirEssa pergunta foi muito boa e quero deixar minha contribuição a respeito. O que mais protege o pequeno investidor é a diversificação; e sabemos que a carteira dele é bem diversificada. Além disso, se houver uma estiagem histórica ou faltar água para a agricultura, a CRA seria a menor das suas preocupações.
ExcluirSim Tiago, concordo completamente....O que protege o investidor é a diversificação. Mas a ideia que eu quis passar não era bem essa.
ExcluirA história de estiagem ou falta de água, foi apenas uma alusão. Sem dúvida que se faltar água, a economia como um todo entraria em colapso.
A ideia era correlacionar CRA´s com as subprimes.
Note que o investidor norte - americano que comprou esses títulos subprimes, nem imaginava numa crise imobiliária, isso simplesmente não passava na cabeça de ninguém.
Era algo completamente irreal de se imaginar um colapso do mercado de hipotecas. Havia a maior seguradora do planeta envolvida na transação, grandes bancos davam legitimidade para esses títulos. O Fed reserve não fiscalizava de forma adequada a metodologia de alavancagem desse tipo de mercado. As agências de riscos classificavam esses títulos com AAA.
Na hora que houve a quebradeira, toda instituição decretou falência, mas com os bolsos cheios de dinheiro.... A conta ficou para os investidores individuais.
Talvez toda essa história sirva de lição... A importância de saber em que realmente vc está investindo.
Grande Abraço
Pobre Catarrento
Olá PC
ExcluirConcordo que devemos tomar muito cuidado onde colocamos nosso suado $.
Mas se ficarmos analisando todos os riscos sistêmicos do mercado, ficará complicado.
Acho que a grande maioria poderia ousar um pouco nas alocações (falando em RF).
Mas isso é a minha opinião.
Diferente do Subprime, Cada CRA possui patrimônio e Garantias separadas do Patrimônio da Securitizadora ( Regime Fiduciário), e o Investidor compra o risco do Lastro, que no caso é Agronegócio. Parece-me que de tantos títulos podres do mercado e recessão em diversos segmentos a Agricultura é a única que apresenta taxas de crescimento sustentáveis ao longo os últimos 50 anos!
ExcluirEstou com o catarrento.
ResponderExcluirExistem produtos pagando 100%CDI líquidos via CDB, que possuem garantia do FGC (mas não possuem liquidez).
Mas ter liquidez em prol de poder perder tudo? Claro, depende do tamanho da alocação, mas não vejo vantagem pra quem precisa alocar grande parte do patrimônio.
Exato.
ExcluirA ideia Dimarcinho era comparar rentabilidades de produtos com a mesma liquidez. Relendo minha postagem, acho que o que vc está falando faz sentido.
Sou favorável a trabalharmos dentro do possível, em boa parte do patrimônio, dentro do FGC.